quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Moeda ao Ar!

“Não há almoços grátis” é um grande chavão da economia e dos economistas. Na verdade, não há almoços grátis, mas há almoços mais lucrativos que outros. Claro que os economistas ilustres gostam mais é de comer que de servir almoços, então pensam apenas do lado do cliente e esquecem-se da vertente do fornecedor.

Claro que para os empresários da restauração, principalmente aqueles que vendem fiado, isto nem sempre é verdade. Quando acontece um calote, há que subir as margens para cobrir as despesas e riscos futuros. No fundo, neste e noutros negócios, quem paga, paga pelos que pagam e pelos que não pagam, ou o restaurante tem de fechar. Mas no fim de tudo, afinal sempre houve alguém que almoçou de graça.

O volume de calotes que acontecem em cada restaurante, depende não só da clientela, como também da época. Há anos em que há mais calotes que outros. Nesses anos, a indústria da restauração ganha menos dinheiro. Porque o número de calotes esperados era menor, há prejuízos.

Como nos dias que correm, tanto é opção pagar, como não pagar, aumentam as coberturas de risco, e aumentam os preços das coisas. As economias do mundo inteiro estão mais enfraquecidas. Como os empresários da restauração pediram fiado aos bancos, estes têm também de aumentar os preços (taxas de juro) e fechar a torneira do crédito. O mundo chegou onde chegou, porque todos estes agentes foram aconselhados por ilustres economistas, que gostam mesmo é de almoçar. Já estava na altura destes senhores ilustres abrirem outras torneiras, e dedicarem-se mas é a lavar pratos, porque trabalhar nunca fez mal a ninguém!

Li no outro dia um artigo muito interessante de um grande economista, que defendia que os comentadores de opinião dos jornais não são em nada diferentes dos treinadores de bancada. Opinam sobre a vida política e sobre decisões importantes, como qualquer mortal opina sobre uma não menos importante substituição mal feita por Jorge Jesus. Apenas o fazem de uma maneira mais formal, sem impropérios, num órgão de comunicação social mais ou menos relevante, com uma fotografia com um ar muito pensativo e respeitável, como se de um Einstein da economia ou política se tratasse, tentando fazer da opinião publicada, a opinião pública.

Eu também sou economista, mas como não tenho qualidade para exercer, tenho de lavar pratos! Mas já que estou aqui, vou aproveitar a oportunidade para fazer um comentário muito pouco iluminado à situação económica actual e à crise económica mundial:

Os Meticais são todos iguais, mas há uns mais iguais que outros. Os Meticais em Maputo são diferentes dos Meticais de Chidzolomondo. Em Maputo, um almoço tem um custo, e em Chidzolomondo tem outro. Nenhum é grátis! O alojamento da capital é bem mais caro que em Chidzolomondo. O acesso a bens e serviços é muito diferente numa e noutra localidades. A remuneração de uma hora de trabalho também difere em muito de Chidzolomondo para Maputo. No entanto, e tratando-se do mesmo país, tem de usar a mesma moeda, até por questões de soberania. Não faria sentido que cada província utilizasse a sua própria divisa dentro do mesmo país.

Se ampliarmos o espaço de análise, e pensarmos na SADC, poderemos pensar que estaremos a caminhar para uma união aduaneira com possibilidade de uma futura união monetária. Uma união monetária entre países, é como uma união monetária dentro do mesmo país. Se os Euros de Lisboa são diferentes dos Euros de Chaves, ambos os Euros são diferentes dos Euros da Alemanha. Horas de trabalho, almoços (pagos!), estadias têm todas valores diferentes consoante a produtividade de cada economia. O que se consegue fazer com os recursos em determinado espaço de tempo é a chave para a valorização de uma economia. Os Meticais que cada Metical consegue produzir no mesmo espaço de tempo é factor distintivo da valorização de cada Metical, os de Maputo e os de Chidzolomondo. Políticos e economistas, artificialmente, tentaram fazer várias nações utilizar a mesma moeda, em sítios com produtividades diferentes. Inventaram critérios de convergência, no sentido de normalizar as economias e todas se comportarem mais ou menos da mesma maneira. Eles esqueceram-se é que o Homo-Economicus é constituído por uma manada muito grande e impossível de controlar centralmente. Como os mercados são vivos, eles corrigem-se automaticamente ou por obrigação. Na Grécia como em Portugal houve correcções no poder de compra através de reduções dos salários. Isto não é muito diferente de uma desvalorização dos Euros Portugueses e Gregos, relativamente aos outros Euros. Nominalmente, trata-se da mesma moeda, só que vale menos, dá para comprar menos coisas. Se calhar era melhor trocar de moeda, e desvalorizá-la realmente. Assim limpar-se-iam todos os stocks de mercadorias exportáveis, o que daria um grande contributo para o equilíbrio das balanças de pagamentos e tornaria as economias realmente competitivas do ponto de vista de comércio internacional. É certo que só seria possível fazer isso uma vez, mas para grandes males, grandes remédios! Os estados continuam a emitir dívida na ordem dos milhares de milhões de Euros, como se fosse um empréstimo para comprar um carro novo. Os filhos ou mesmo os netos desta geração irão pagar estas dívidas. (Será?) Os países periféricos da zona Euro arriscam-se a passar de um regime de moeda única para um regime de única moeda, pois tudo está hipotecado.
A SADC e o mundo têm também de equacionar e aprender com os erros dos outros. A possibilidade de enveredar por um sistema de moeda única é arriscado e tem de ser bem planeado. Nem todos os países têm as mesmas condições para crescer. Nem todos os países têm os mesmos recursos, ou a mesma capacidade instalada para produzir. Nuns países os almoços são mais baratos que em outros, e não depende só do restaurante.

O dinheiro, que foi talvez a invenção humana que contribuiu mais para a aceleração do processo civilizacional como o conhecemos hoje, tem de ser tratado com cuidado. Hoje, trocam-se títulos de coisas cujo valor e risco ninguém conhece, empresta-se dinheiro sem saber bem a quem nem para quê, e isto chegou onde chegou! Qualquer dia, se quisermos almoçar, temos de fazer troca directa com os nossos fornecedores! Ou então ir semear ou criar o nosso almoço, porque este continuará a não ser de graça.

Bem, como eu também preciso de almoçar, se calhar o melhor é eu ir lavar uns pratos...
P.S. – Para os interessados, Chidzolomondo pertence ao distrito de Macanga, província de Tete.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Os Deuses Devem Estar Loucos!

A vida no planeta Terra é um fenómeno dinâmico. As espécies vão evoluindo de acordo com a própria evolução do meio. Animais e vegetais vão-se ajustando de forma a subsistirem e a prolongarem a sua permanência no planeta. Os dinossauros que proliferavam no planeta foram dizimados por razões ambientais que nos dias de hoje são difíceis de explicar ou de provar. Há no entanto espécies de répteis que ainda perduram desde eras longínquas, como as tartarugas e os dragões das Galápagos. Vezes há, em que o próprio meio é mudado pelas espécies animais ou vegetais, como é o caso de pragas de insectos que acabam com espécies vegetais por onde passam ou mesmo bactérias e vírus que matam enormes populações de espécies animais, levando algumas mesmo à extinção. É a mão da Natureza, ou para os mais crentes, a mão de Deus.

O Homem não é excepção a este processo. Ao longo do processo evolutivo foi ganhando força e desenvolvendo meios e engenho que lhe permitiram sobreviver mesmo nos meios mais remotos, transformando-os em locais mais aprazíveis para poder perpetuar a espécie de forma mais consistente. A descoberta da agricultura e o seu desenvolvimento foram mudando os ecossistemas desde sempre. O controlo dos recursos hídricos tão indispensáveis à vida e à produção de alimento foram factores determinantes para a vida humana como a conhecemos hoje. A mudança de cursos de rios, a construção de barragens, açudes e diques mudaram paisagens, faunas e floras de zonas do planeta como nenhum outro animal conseguiu.

O desenvolvimento de algumas actividades económicas, como a pastorícia ou a pesca, e fenómenos migratórios da raça humana foram responsáveis pelo controlo de outras espécies predadoras que se apresentavam como uma ameaça para o negócio ou mesmo para a sobrevivência humana. A caça em larga escala foi responsável pelo trucidar de algumas espécies animais. O snooker, por exemplo, jogo inventado pelos ingleses na Índia, foi responsável pela redução das populações autóctones de elefantes quase até à extinção. As primeiras bolas do jogo eram feitas de marfim, pelo que, com a redução do número de elefantes que esta produção originou, surgiu a necessidade de se inventar as primeiras ligas plásticas para substituir a necessidade de tão nobre jogo.

Algumas populações de pescadores do hemisfério Norte destroem faunas inteiras de uma mesma espécie, com redes de arrasto que a tecnologia permitiu construir para bem de um negócio que se quer o mais rentável possível. Por questões da mesma rentabilidade, outros pescadores arrasam quantidades enormes de predadores, como focas ou mesmo outras espécies animais predadoras do seu sustento. De quando em vez, vêem-se imagens destas em noticiários ou mesmo na internet, normalmente apoiadas por grandes movimentos ambientalistas, que com meios mais ou menos parcos se revoltam contra estas actividades.

A revolução industrial foi também responsável por grandes mudanças nos ecossistemas, bem como no aproveitamento dos recursos disponíveis no planeta Terra. Grandes indústrias mudaram o planeta. As indústrias extractivas mudaram a paisagem, as indústrias transformadoras mudaram a fauna e a flora, destruindo rios, transformando-se mesmo numa ameaça para a própria sobrevivência humana. As grandes indústrias foram grandes aglomeradores de populações, que precisavam de produção de alimentos, e essa produção estava em risco pela danificação do meio, causada pela própria indústria. Nas fases iniciais da actividade industrial ninguém pensava nisto, até porque uma vez que a indústria era criadora de riqueza e de emprego, as populações estavam melhores com fábricas do que sem elas. Surgiram então as primeiras consciências ambientais que tentaram ir contra a ganância desmesurada de alguns industriais, cujo poder adquirido pela capacidade financeira do negócio lhes permitia manter a actividade, até porque eles próprios eram responsáveis por alimentar um sem número de bocas que laboravam nas suas fábricas.

Em que é que isto é diferente da mão da Natureza de que vos falava há pouco? Será uma praga de gafanhotos assim tão diferente da actual vida humana em sociedade? As consciências ambientalistas foram crescendo e ganhando algum poder. A era da informação permitiu-lhes comunicar a nível global e fazer ver ao mundo pequenino que a vida humana já existia há milhares de anos sem nenhum destes problemas e que os recursos sempre foram suficientes para cumprir todas as necessidades de sobrevivência da espécie. O ambientalismo surge assim como uma nova comunidade de profetas do apocalipse. A mão (humana) da Natureza, ou a mão de Deus põe em risco a própria existência humana. Noé, no Antigo Testamento, foi outro grande profeta do apocalipse. Será que está para breve outro dilúvio? Se está ou não, não sei, mas a ciência dos dias de hoje conseguirá contornar este problema e garantir a perpetuação da espécie humana, sem sequer ter necessidade de correcções demográficas. O Homem pertence à Terra, não é a Terra que pertence ao Homem. O Homem comporta-se como um vírus que se aproveita dos recursos por onde passa. Mas como um vírus, não pode destruir o seu hóspede até ao infinito, sob pena de acabar com a sua própria existência. A ciência tenta fazer com que o humano seja maior que a própria Natureza e tenta controlá-la como se de um Deus se tratasse. O Homem surge como um Deus maior e tem um papel preponderante no grande processo da Criação.

Vamos lá a ver se o Homem acerta nessa tão árdua tarefa. Errar é humano. Se Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança, é porque os deuses também erram. Terá sido a criação humana um erro? Nesse caso, também o foram os dinossauros, não seria a primeira vez. Ou terá sido Deus criado pelo Homem à sua imagem e semelhança, tentando criar uma entidade que não erra, que seria o sonho da espécie humana? Eu não sou nenhum especialista na matéria, mas quero acreditar que estará tudo bem encaminhado para a nossa sobrevivência, e ainda mais importante, a sobrevivência do planeta Terra. Todos estamos cá de passagem, a morte é certa. Temos de assegurar que vão haver muitas passagens, para nós e para outras espécies. A vida na Terra é um trabalho de equipa, e não sobrevivemos sem os outros animais, sem água e sem as plantas. O Homem vai ultrapassar todas as dificuldades de gestão de recursos e continuar a proliferar enquanto espécie dominante do planeta. Ou pelo menos, Deus queira que sim.
Este artigo foi publicado na edição de 30 de Outubro de 2010 no Jornal "O País"

Aquela Máquina!

Os humanos são uma das espécies mamíferas mais interessantes do planeta. Sendo a espécie animal com o cérebro mais desenvolvido, conseguiram, ao longo da História, inventar formas e instrumentos de adaptação ao meio, que lhe permitiram ser a espécie dominante da Terra. Para alguns, as maiores invenções humanas poderão ser a roda ou os instrumentos do domínio e controlo do fogo, que permitiram aumentar as probabilidades de sobrevivência, mas para outros Deus ou o dinheiro apresentam-se como verdadeiros aceleradores do processo civilizacional, e sem eles, não teríamos chegado onde chegámos. Pondo de parte as filosofias, há um grande número de invenções ou facilitadores de vida, que se apresentam como soluções para grandes problemas. Alguns desses problemas deixam de o ser, e deixamos de pensar nas soluções iniciais que usávamos antes de determinada engenhoca ser inventada. Senão vejamos:

Antes da invenção da máquina de calcular, toda a gente sabia mais ou menos fazer contas de cabeça, ou contas de merceeiro. Hoje, a máquina de calcular tornou a tabuada obsoleta. Já não é necessário saber. Não será isto bizarro? Imaginem o tempo não muito distante onde folhas de salários de empresas com muitos trabalhadores eram calculadas à mão, onde as horas de ponto eram somadas como se de uma conta de mercearia se tratasse. Inventaram as folhas de cálculo e resolveram o problema.
Os computadores revolucionaram a sociedade humana e todos os negócios de uma forma irreversível. A vida de qualquer escritório é hoje facilitada por instrumentos electrónicos que permitem fazer quase tudo de forma muito mais rápida, poupando recursos que antes eram indispensáveis e muito mais dispendiosos para o desenvolvimento operacional de qualquer actividade comercial.
O problema surge quando a tecnologia torna os humanos incapazes de trabalhar sem ela. Por exemplo, quando há faltas de energia, fenómeno comum na cidade de Maputo, há empresas que param a sua actividade comercial. Os computadores existem há poucas dezenas de anos, e os programas de contabilidade e facturação existem ainda há menos tempo. Será que antes não havia negócios? Não se faziam facturas? Faziam, mas alguns empresários, ou já se esqueceram como se fazia, ou começaram a actividade já depois da invenção dessas ferramentas. Para os empresários mais afoitos, a actividade não pára, mas para essa grande maioria, as facturas não existem nem com electricidade nem sem electricidade. O IVA é todo lucro.
Há países no mundo onde o número de cartões de celulares activos é cerca de uma vez e meia o número de cidadãos do mesmo país. O celular vem também ocupar um lugar indispensável na vida das pessoas. Não bastava ter um, mas algumas pessoas têm mesmo dois e mais números de telefone. Com o aparecimento da terceira operadora em Moçambique vamos assistir também a esse fenómeno. Para alguns, mesmo com rendimentos menos abastados, o telefone móvel é uma ferramenta sem a qual não conseguem viver, embora a humanidade tenha sobrevivido durante milhares de anos, sem qualquer tecnologia do género.
As máquinas condicionam e viciam o comportamento humano, deixando este de saber trabalhar sem elas. Os instrumentos de navegação por GPS são outro exemplo. As pessoas que já se habituaram a viajar com eles, já não sabem, nem querem saber, como se interpreta um mapa. Por vezes até a máquina dá ordens que não são as mais rápidas ou as mais práticas, mas o humano subjuga-se à ordem electrónica de virar à direita ou à esquerda, porque a máquina não tem aquele caminho naquela actualização do programa. Um cérebro humano é inibido de pensar por causa de muitos outros cérebros que inventaram e programaram a máquina.
Uma outra máquina, em 1997, venceu o campeão do mundo de Xadrez. Garry Kasparov foi derrotado por um computador. Essa vitória do computador, não passou também de uma vitória de milhares de cérebros humanos, ao longo de toda a História da Ciência, sobre apenas um único cérebro, do campeão mundial de Xadrez do fim do século XX. Pitágoras, Arquimedes, Euclides, Euler, Einstein, Taylor, Volt, Newton e muitos outros venceram o Senhor Kasparov, ainda que a muito custo e com algumas polémicas pelo meio. Bravo, Kasparov!
Outras máquinas há, que não têm qualquer razão de ser, e que são obsoletas à nascença e não representam qualquer avanço tecnológico à data da sua invenção. Na guerra-fria, os Americanos gabavam-se de ter inventado uma esferográfica que conseguia escrever na ausência de gravidade, instrumento que se iria revelar muito útil para a era espacial. A tinta era injectada para a superfície de escrita, em vez de ser comprimida pela gravidade e peso da própria tinta, que a fazia sair pela extremidade inferior do objecto. Os Russos acharam uma certa piada a esta invenção, que foi apresentada como um avanço da engenharia da altura, fruto de anos de trabalho da NASA, e de orçamentos avultados em investigação e desenvolvimento e responderam: “Sim, sim. Nós usamos o lápis!”.
Os humanos são o animal mais inteligente do planeta. A evolução natural confirma a teoria Darwiniana de que os mais aptos vencerão e sobrepor-se-ão às restantes espécies. Os avanços tecnológicos da humanidade determinam que consigamos fazer coisas de forma muito mais fácil, com menor dispêndio de recursos. Recursos esses, que podem ser usados noutras finalidades. No entanto, nunca podemos olvidar-nos dos pilares básicos da sabedoria humana. A tabuada é essencial! Saber ler um mapa é extremamente útil e até é interessante! O Google não tem tudo! Os computadores, e todas as máquinas são meras invenções humanas, e como tal, estão cheias de erros e lacunas. Há que estar preparado e nunca é tarde demais para aprender!
O que iria achar Pitágoras, se visse que nos demitimos de pensar? Será que iria ficar orgulhoso? Até parece que o estou a ver: “Se não fosse eu e alguns dos meus discípulos, esta gente tinha de pensar tanto e ser tão mais inteligente…” Quem lhe dera não ter tido tanto trabalho. Um grande bem-haja a todos os que usaram essa grande máquina que é o cérebro humano, para que outros, como nós, não a tivessem de usar tanto! Pensar cansa! Nem quero saber como se terá sentido o Kasparov. Certamente pior que o inventor do lápis espacial Russo…
Este Artigo foi Publicado na edição do Jornal "O País" de 16 de Outubro de 2010

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Educar para Desenvolver

A educação e o nível de literacia são um dos factores primordiais para o desenvolvimento de uma nação. As pessoas vão à escola, para aprender a trabalhar, para terem empregos melhores e ganhar mais dinheiro. Se todos os cidadãos souberem mais, a economia produzirá mais e melhor. Se uma economia não dispuser de recursos naturais que possam trazer vantagens competitivas em termos internacionais, a sua verdadeira distinção terá de surgir do nível de habilitações dos seus cidadãos.
As classes políticas, muitas vezes, descuram este factor, menosprezando a educação, e não criando planos a longo prazo, sofrendo de alguma miopia, pois um processo educativo, desde o nascimento até à conclusão de uma licenciatura, altura em que se começa a trabalhar, demora mais de 20 anos, ao contrário de uma legislatura, que em Portugal dura apenas quatro anos. Num sistema de educação, deve incutir-se disciplina, capacidade de trabalho, empreendedorismo e capacidade de resolução de problemas. Um aluno que chega atrasado às aulas, toda uma vida, muito dificilmente vai ser o primeiro a chegar ao escritório quando começar a trabalhar. Decisões como o fim do chumbo por faltas são decisões que desorientam toda uma geração e que a preparam mal para o mundo do trabalho.
Moçambique foi assolado por uma guerra civil que destruiu todas as estruturas de educação e cultura, e deixou o país num estado de necessidade tal, que levou o processo educativo e formativo para um segundo plano. Com todas estas estruturas destruídas, Moçambique tem uma taxa de alfabetização inferior a 50%, sendo ainda menor no interior. Em Moçambique, a língua oficial é o Português, mas há mais de dez dialectos autóctones que são falados correntemente. Há localidades onde mais de metade da população não fala o Português. Nas zonas rurais há crianças que se deslocam mais de 20 kms por dia, a pé, para poderem ir à escola.
A escola com computadores, como a conhecemos em Portugal, com o Magalhães, aqui não existe.
Aliás, há escolas, onde o quadro é o chão de terra da cabana no meio do mato, e os cadernos de apontamentos são papéis usados, como versos de facturas. Os meios técnicos de educação são igualmente escassos.
Os défices nutricionais, pelos quais algumas crianças passam em tenras idades são também grandes travões ao nível da capacidade intelectual e de raciocínio. A proliferação de algumas doenças como a malária e o HIV, e a reduzida esperança média de vida são factores que devem ser considerados no que se refere à motivação e desenvolvimento do processo educativo. Em conversa com alguns recrutadores moçambicanos, descobri que o sistema de educação moçambicano é pouco evoluído e mesmo o nível universitário não prepara da melhor forma a mão-de-obra.
Mesmo alguns professores universitários têm dificuldade na articulação do Português, uma vez que não é a linguagem que utilizam no dia-a-dia. Aqui ao lado, na África do Sul, o Governo reconheceu os principais dialectos como línguas oficiais do país, preservando a cultura e identidade nacionais, embora o inglês seja uma língua muito mais global. Há uma carência de qualificados em Moçambique. Com a crise, há um novo fluxo migratório oriundo do mundo desenvolvido para certos pontos do mundo em desenvolvimento. Moçambique é, pois, uma terra de oportunidades para mão-de-obra qualificada que não tem empregos nos países desenvolvidos.
Para tentar travar essa migração e aumentar a taxa de emprego de Moçambique, o Estado criou uma lei de quotas. Cada empresa só pode ter um máximo de 10% de estrangeiros. Há casos de empresas que contratam 9 moçambicanos para funções fantasma pelo salário mínimo moçambicano (€50,00), para poderem contratar um estrangeiro qualificado. Há certas áreas de negócio, mais técnicas, onde não há moçambicanos qualificados e uma empresa não pode ser montada só com estrangeiros. Certas empresas, principalmente dos países nórdicos, mais disciplinadas, e menos dadas à corrupção, recusam-se a trabalhar nestas condições. Ainda assim, este país tem muito para fazer e muito por onde crescer.
É uma terra de oportunidades e é o lugar para um jovem qualificado dos 25 aos 35 anos estar, neste momento de crise mundial.

Excesso de Escassez

A ciência económica debruça-se sobre a afectação de recursos escassos passíveis de aplicações variadas. Economizar é então optimizar recursos. Gerir uma empresa, ou uma organização, ou mesmo um país, é isso mesmo.

Alguns gestores ou economistas, sentir-se-ão incomodados com esta afirmação, pois não percebem que, no fundo, têm o mesmo objectivo, optimizar recursos. A escassez fez com que, de tempos a tempos, surgissem novos paradigmas económicos, criados por novas realidades, como choques na oferta, na procura, choques tecnológicos, crises financeiras como a que estamos a viver hoje, ou outro qualquer fenómeno global que tenha efeitos na Economia como um todo.

Moçambique saiu de uma guerra civil há pouco mais de quinze anos. Neste período de paz, foi assolado por uma seca de cerca de dez anos, que foi terminada com inundações inigualáveis que levaram o país para o topo dos mais pobres do mundo. Ainda hoje o país se ressente de tudo isto.
Com uma taxa de crescimento de cerca de 7% ao ano, o PIB per capita anda ainda abaixo dos 650 USD. Certos bens, que são considerados como garantidos no mundo desenvolvido, são escassos e continuarão escassos por muitos mais anos.

Mesmo nas grandes empresas de distribuição, não há fornecimentos contínuos da grande maioria dos bens. Por vezes é necessário que chegue mais um contentor de determinado bem, para voltar a comprar um novo produto de determinada marca. Este processo pode demorar mais de um mês, ou pode mesmo acontecer que esse produto
não volte a estar disponível.

Há uma grande disparidade entre a comunidade internacional e a moçambicana. Eu, no programa INOV Contacto, aufiro mais num dia, que certas profissões correntes, como empregadas domésticas ou guardas de segurança, num mês de trabalho. Em dois dias faço mais que o salário médio do país. Como consequência dessa escassez e da extrema necessidade, tudo se vende na rua, desde balanças, relógios e óculos de sol, até cabides e ferramentas de automóveis. O artesanato tem um papel peculiar, pois sentado em qualquer esplanada, assistimos a uma pequena exposição itinerante de quadros ou outras obras que passam, sempre com a promessa de um bom preço. Há ainda a criação de certos nichos de mercado, como o dos espelhos retrovisores e piscasque são roubados de cada vez que o automóvel é deixado num recanto mais escuro. E existe a profissão de gravador de matrículas em quase todas as peças roubáveisde um automóvel, para impedir os larápios de exercer o seu ofício.

Apesar disto tudo, os Moçambicanos são um povo muito correcto nas contas. Noutras viagens que fiz pelo mundo, deparei-me com manhas de rua que não vi por aqui. Em Moçambique, o preço pode ser negociata de feira, mas não há enganos no troco, ou na entrega da mercadoria. Toda esta necessidade faz com que os moçambicanos tenham de começar a trabalhar muito cedo. É comum ver crianças a vender amendoins ou outro qualquer artigo, em vez de estar na escola a aprender para poder produzir melhor e fazer crescer o seu país. A gestão de tesouraria do moçambicano não existe. Chapa ganha é chapa gasta. Um amigo meu tem uma rede de supermercados que vende toneladas de arroz a cada primeiro dia do mês, para garantir alimento para os seguintes trinta dias. Uma saca de 25 kgs faz o consumo de uma família. As restantes despesas são feitas sem método e a poupança não é habitual, devido talvez à desvalorização do Metical. As despesas de transporte costumam ser pagas diariamente, sob pena de a meio do mês o funcionário deixar de vir, por ter gasto todo esse dinheiro. Como eu recebo em Euros, e gasto em Meticais, nos seis meses que estive em Moçambique, é como se tivesse sido aumentado em 15% no meu salário, tal foi a depreciação.

No mundo global em que vivemos, há então níveis de escassez desta ordem. A menos de 200 kms de Maputo está Nelspruit, na África do Sul, onde a escassez não existe, e onde a comunidade internacional de Maputo se abastece. Eu próprio tive de recorrer a esta alternativa, pois fui mordido por um cão e a vacina anti-rábica não existia em stock na cidade. Se houvesse, ter-me-ia custado o mesmo que me custou na África do Sul, incluindo, gasóleo e subornos a polícias sul-africanos. A única diferença entre um polícia sul-africano e um moçambicano é a linguagem, pois até no preço e na divisa são similares. Tanto recebem em Rands como em Meticais. No fundo, penso que não se pode chamar corrupção, mas sim necessidade. Nas operações stopa abordagem do polícia é toda direccionada para o pagamento de ajudas, sob o pretexto de pagar refresco ou uma gratificação pela amizade.

Maputo é, então, um paraíso para a ajuda internacional, onde proliferam mais de 600 ONGsde toda a espécie, havendo algumas que, de solidariedade têm pouco, antes se tratando de autênticas empresas capitalistas. O sistema político tem vindo a agilizar estas ajudas e a criar abertura para a entrada de bens e serviços essenciais para toda a população moçambicana.

O país está a crescer, mas há ainda muito a fazer.
As oportunidades proliferam.

A Conta, Por Favor

“Não há almoços grátis” é um grande chavão da economia e dos economistas. Na verdade, não há almoços grátis, mas há almoços mais lucrativos que outros. Claro que os economistas ilustres gostam mais é de comer que de servir almoços, então pensam apenas do lado do cliente e olvidam a vertente do fornecedor.
Claro que para os empresários da restauração, principalmente aqueles que vendem fiado, isto nem sempre é verdade. Quando acontece um calote, há que subir as margens para cobrir as despesas e riscos futuros. No fundo, neste e noutros negócios, quem paga, paga pelos que pagam e pelos que não pagam, ou o restaurante tem de fechar. Mas no fim de tudo, afinal sempre houve alguém que almoçou de graça.
O volume de calotes que acontecem em cada restaurante, depende não só da clientela, como também da época. Há anos em que há mais calotes que outros. Nesses anos, a indústria da restauração ganha menos dinheiro. Porque o número de calotes esperados era menor, há prejuízos.
Como nos dias que correm, tanto é opção pagar, como não pagar, aumentam as coberturas de risco, e aumentam os preços das coisas. As economias do mundo inteiro estão mais enfraquecidas. Como os empresários da restauração pediram fiado aos bancos, estes têm também de aumentar os preços (taxas de juro) e fechar a torneira do crédito. O mundo chegou onde chegou, porque todos estes agentes foram aconselhados por ilustres economistas, que gostam mesmo é de almoçar. Já estava na altura destes senhores ilustres abrirem outras torneiras, e dedicarem-se mas é a lavar pratos, porque trabalhar nunca fez mal a ninguém!

A Abelha-Mestra

As abelhas são um animal de extrema importância para os ecossistemas do planeta. Polinizam as espécies vegetais e são essenciais para a agricultura. Há mesmo apicultores móveis que se deslocam centenas de quilómetros até grandes plantações na época da flor para polinizar e aumentar a produtividade das colheitas. As abelhas vivem num sistema social complexo, com hierarquias bem definidas, e onde cada classe desempenha o seu papel. No entanto alturas há, em que a colmeia, por variadas razões, deixa de conseguir ter recursos para toda a colónia, e tem de enxamear. Ou por excesso de população, ou por falta de alimento, toda a população, incluindo a rainha, abandona a colmeia em busca de um poiso melhor, onde a sobrevivência da colónia possa ser melhor sustentada.
Nos negócios, os humanos também se comportam como a Natureza. Em cada ramo, abrem-se negócios, como nenúfares, que vão crescendo salutarmente no lago. Com o desenvolvimento científico dos negócios, criam-se aumentos de eficiência que tornam muitos outros colegas do mesmo ofício obsoletos. Vão-se assim eliminando membros da mesma espécie, caminhando para oligopólios/monopólios, onde muitas vezes as autoridades de concorrência não sabem como intervir. No limite, apenas será precisa uma marca de cada bem para garantir que a produção tenha qualidade para toda uma economia. Na distribuição passa-se o mesmo. Fábricas extremamente eficientes, que concorrem com competidores da mesma dimensão, têm de fazer concentrações a jusante e incorporar a distribuição no próprio negócio. Surgem assim os Category Killers. Grandes lojas, especializadas em artigos desportivos, electrodomésticos, ou até mesmo mercearia, vão crescendo como nenúfares maiores, tomando conta do lago, assimilando ganhos de especialização e optimização de recursos. Departamentos, como publicidade, marketing, contabilidade, trabalham para uma mesma rede, diluindo os custos entre as lojas, tornando as grandes empresas altamente competitivas nos mercados. Isto verifica-se com frequência no mundo ocidental e Moçambique para lá caminha.
Por essa e por outras razões, as taxas de desemprego dessas economias crescem, e as taxas de crescimento são estranguladas pela concorrência feroz. Para citar apenas uma história célebre de comportamento predatório em negócios, havia um café antigo e famoso nos Estados Unidos. A grande cadeia Starbucks (franshising de lojas de café) decidiu que aquele era um bom sítio para estar, e abriu uma loja na porta ao lado. Como não chegou para derrubar o imponente e antigo café, decidiram abrir outra loja na porta do outro lado. Depois de definharem o velhinho café e este ter de fechar, o gigante americano decide fechar uma das lojas que abrira, já que não precisava de ter duas lojas iguais a concorrerem tão perto uma da outra.
Contra competidores deste calibre, as economias do Ocidente tornam-se insuficientes para alguns grupos sociais. Os donos e trabalhadores destes cafés velhinhos têm então de enxamear. É o que se está a viver neste momento, com um novo fluxo migratório que vem para África. Plena de recursos, atrai os indivíduos mais dinâmicos que se tornaram “obsoletos” na sua própria colmeia, ou que estão descontentes com as suas próprias vidas. Todos os dias, chegam aviões que trazem pessoas qualificadas e investidores, à procura de novas oportunidades. Da Europa, das Américas e até da Ásia. Não se trata de uma invasão, nem sequer de uma ameaça. Trata-se mesmo de uma grande oportunidade. Moçambique, que neste momento vive um clima de crescimento sustentado e continuado, tem tudo a ganhar com estes novos obreiros, que tentam polinizar o quintal Moçambicano, na esperança de levar algum mel. Eles levam mel, mas o quintal fica mais frondoso e a fruta é mais abundante e mais doce.

terça-feira, 30 de março de 2010