quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Os Deuses Devem Estar Loucos!

A vida no planeta Terra é um fenómeno dinâmico. As espécies vão evoluindo de acordo com a própria evolução do meio. Animais e vegetais vão-se ajustando de forma a subsistirem e a prolongarem a sua permanência no planeta. Os dinossauros que proliferavam no planeta foram dizimados por razões ambientais que nos dias de hoje são difíceis de explicar ou de provar. Há no entanto espécies de répteis que ainda perduram desde eras longínquas, como as tartarugas e os dragões das Galápagos. Vezes há, em que o próprio meio é mudado pelas espécies animais ou vegetais, como é o caso de pragas de insectos que acabam com espécies vegetais por onde passam ou mesmo bactérias e vírus que matam enormes populações de espécies animais, levando algumas mesmo à extinção. É a mão da Natureza, ou para os mais crentes, a mão de Deus.

O Homem não é excepção a este processo. Ao longo do processo evolutivo foi ganhando força e desenvolvendo meios e engenho que lhe permitiram sobreviver mesmo nos meios mais remotos, transformando-os em locais mais aprazíveis para poder perpetuar a espécie de forma mais consistente. A descoberta da agricultura e o seu desenvolvimento foram mudando os ecossistemas desde sempre. O controlo dos recursos hídricos tão indispensáveis à vida e à produção de alimento foram factores determinantes para a vida humana como a conhecemos hoje. A mudança de cursos de rios, a construção de barragens, açudes e diques mudaram paisagens, faunas e floras de zonas do planeta como nenhum outro animal conseguiu.

O desenvolvimento de algumas actividades económicas, como a pastorícia ou a pesca, e fenómenos migratórios da raça humana foram responsáveis pelo controlo de outras espécies predadoras que se apresentavam como uma ameaça para o negócio ou mesmo para a sobrevivência humana. A caça em larga escala foi responsável pelo trucidar de algumas espécies animais. O snooker, por exemplo, jogo inventado pelos ingleses na Índia, foi responsável pela redução das populações autóctones de elefantes quase até à extinção. As primeiras bolas do jogo eram feitas de marfim, pelo que, com a redução do número de elefantes que esta produção originou, surgiu a necessidade de se inventar as primeiras ligas plásticas para substituir a necessidade de tão nobre jogo.

Algumas populações de pescadores do hemisfério Norte destroem faunas inteiras de uma mesma espécie, com redes de arrasto que a tecnologia permitiu construir para bem de um negócio que se quer o mais rentável possível. Por questões da mesma rentabilidade, outros pescadores arrasam quantidades enormes de predadores, como focas ou mesmo outras espécies animais predadoras do seu sustento. De quando em vez, vêem-se imagens destas em noticiários ou mesmo na internet, normalmente apoiadas por grandes movimentos ambientalistas, que com meios mais ou menos parcos se revoltam contra estas actividades.

A revolução industrial foi também responsável por grandes mudanças nos ecossistemas, bem como no aproveitamento dos recursos disponíveis no planeta Terra. Grandes indústrias mudaram o planeta. As indústrias extractivas mudaram a paisagem, as indústrias transformadoras mudaram a fauna e a flora, destruindo rios, transformando-se mesmo numa ameaça para a própria sobrevivência humana. As grandes indústrias foram grandes aglomeradores de populações, que precisavam de produção de alimentos, e essa produção estava em risco pela danificação do meio, causada pela própria indústria. Nas fases iniciais da actividade industrial ninguém pensava nisto, até porque uma vez que a indústria era criadora de riqueza e de emprego, as populações estavam melhores com fábricas do que sem elas. Surgiram então as primeiras consciências ambientais que tentaram ir contra a ganância desmesurada de alguns industriais, cujo poder adquirido pela capacidade financeira do negócio lhes permitia manter a actividade, até porque eles próprios eram responsáveis por alimentar um sem número de bocas que laboravam nas suas fábricas.

Em que é que isto é diferente da mão da Natureza de que vos falava há pouco? Será uma praga de gafanhotos assim tão diferente da actual vida humana em sociedade? As consciências ambientalistas foram crescendo e ganhando algum poder. A era da informação permitiu-lhes comunicar a nível global e fazer ver ao mundo pequenino que a vida humana já existia há milhares de anos sem nenhum destes problemas e que os recursos sempre foram suficientes para cumprir todas as necessidades de sobrevivência da espécie. O ambientalismo surge assim como uma nova comunidade de profetas do apocalipse. A mão (humana) da Natureza, ou a mão de Deus põe em risco a própria existência humana. Noé, no Antigo Testamento, foi outro grande profeta do apocalipse. Será que está para breve outro dilúvio? Se está ou não, não sei, mas a ciência dos dias de hoje conseguirá contornar este problema e garantir a perpetuação da espécie humana, sem sequer ter necessidade de correcções demográficas. O Homem pertence à Terra, não é a Terra que pertence ao Homem. O Homem comporta-se como um vírus que se aproveita dos recursos por onde passa. Mas como um vírus, não pode destruir o seu hóspede até ao infinito, sob pena de acabar com a sua própria existência. A ciência tenta fazer com que o humano seja maior que a própria Natureza e tenta controlá-la como se de um Deus se tratasse. O Homem surge como um Deus maior e tem um papel preponderante no grande processo da Criação.

Vamos lá a ver se o Homem acerta nessa tão árdua tarefa. Errar é humano. Se Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança, é porque os deuses também erram. Terá sido a criação humana um erro? Nesse caso, também o foram os dinossauros, não seria a primeira vez. Ou terá sido Deus criado pelo Homem à sua imagem e semelhança, tentando criar uma entidade que não erra, que seria o sonho da espécie humana? Eu não sou nenhum especialista na matéria, mas quero acreditar que estará tudo bem encaminhado para a nossa sobrevivência, e ainda mais importante, a sobrevivência do planeta Terra. Todos estamos cá de passagem, a morte é certa. Temos de assegurar que vão haver muitas passagens, para nós e para outras espécies. A vida na Terra é um trabalho de equipa, e não sobrevivemos sem os outros animais, sem água e sem as plantas. O Homem vai ultrapassar todas as dificuldades de gestão de recursos e continuar a proliferar enquanto espécie dominante do planeta. Ou pelo menos, Deus queira que sim.
Este artigo foi publicado na edição de 30 de Outubro de 2010 no Jornal "O País"

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