quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Excesso de Escassez

A ciência económica debruça-se sobre a afectação de recursos escassos passíveis de aplicações variadas. Economizar é então optimizar recursos. Gerir uma empresa, ou uma organização, ou mesmo um país, é isso mesmo.

Alguns gestores ou economistas, sentir-se-ão incomodados com esta afirmação, pois não percebem que, no fundo, têm o mesmo objectivo, optimizar recursos. A escassez fez com que, de tempos a tempos, surgissem novos paradigmas económicos, criados por novas realidades, como choques na oferta, na procura, choques tecnológicos, crises financeiras como a que estamos a viver hoje, ou outro qualquer fenómeno global que tenha efeitos na Economia como um todo.

Moçambique saiu de uma guerra civil há pouco mais de quinze anos. Neste período de paz, foi assolado por uma seca de cerca de dez anos, que foi terminada com inundações inigualáveis que levaram o país para o topo dos mais pobres do mundo. Ainda hoje o país se ressente de tudo isto.
Com uma taxa de crescimento de cerca de 7% ao ano, o PIB per capita anda ainda abaixo dos 650 USD. Certos bens, que são considerados como garantidos no mundo desenvolvido, são escassos e continuarão escassos por muitos mais anos.

Mesmo nas grandes empresas de distribuição, não há fornecimentos contínuos da grande maioria dos bens. Por vezes é necessário que chegue mais um contentor de determinado bem, para voltar a comprar um novo produto de determinada marca. Este processo pode demorar mais de um mês, ou pode mesmo acontecer que esse produto
não volte a estar disponível.

Há uma grande disparidade entre a comunidade internacional e a moçambicana. Eu, no programa INOV Contacto, aufiro mais num dia, que certas profissões correntes, como empregadas domésticas ou guardas de segurança, num mês de trabalho. Em dois dias faço mais que o salário médio do país. Como consequência dessa escassez e da extrema necessidade, tudo se vende na rua, desde balanças, relógios e óculos de sol, até cabides e ferramentas de automóveis. O artesanato tem um papel peculiar, pois sentado em qualquer esplanada, assistimos a uma pequena exposição itinerante de quadros ou outras obras que passam, sempre com a promessa de um bom preço. Há ainda a criação de certos nichos de mercado, como o dos espelhos retrovisores e piscasque são roubados de cada vez que o automóvel é deixado num recanto mais escuro. E existe a profissão de gravador de matrículas em quase todas as peças roubáveisde um automóvel, para impedir os larápios de exercer o seu ofício.

Apesar disto tudo, os Moçambicanos são um povo muito correcto nas contas. Noutras viagens que fiz pelo mundo, deparei-me com manhas de rua que não vi por aqui. Em Moçambique, o preço pode ser negociata de feira, mas não há enganos no troco, ou na entrega da mercadoria. Toda esta necessidade faz com que os moçambicanos tenham de começar a trabalhar muito cedo. É comum ver crianças a vender amendoins ou outro qualquer artigo, em vez de estar na escola a aprender para poder produzir melhor e fazer crescer o seu país. A gestão de tesouraria do moçambicano não existe. Chapa ganha é chapa gasta. Um amigo meu tem uma rede de supermercados que vende toneladas de arroz a cada primeiro dia do mês, para garantir alimento para os seguintes trinta dias. Uma saca de 25 kgs faz o consumo de uma família. As restantes despesas são feitas sem método e a poupança não é habitual, devido talvez à desvalorização do Metical. As despesas de transporte costumam ser pagas diariamente, sob pena de a meio do mês o funcionário deixar de vir, por ter gasto todo esse dinheiro. Como eu recebo em Euros, e gasto em Meticais, nos seis meses que estive em Moçambique, é como se tivesse sido aumentado em 15% no meu salário, tal foi a depreciação.

No mundo global em que vivemos, há então níveis de escassez desta ordem. A menos de 200 kms de Maputo está Nelspruit, na África do Sul, onde a escassez não existe, e onde a comunidade internacional de Maputo se abastece. Eu próprio tive de recorrer a esta alternativa, pois fui mordido por um cão e a vacina anti-rábica não existia em stock na cidade. Se houvesse, ter-me-ia custado o mesmo que me custou na África do Sul, incluindo, gasóleo e subornos a polícias sul-africanos. A única diferença entre um polícia sul-africano e um moçambicano é a linguagem, pois até no preço e na divisa são similares. Tanto recebem em Rands como em Meticais. No fundo, penso que não se pode chamar corrupção, mas sim necessidade. Nas operações stopa abordagem do polícia é toda direccionada para o pagamento de ajudas, sob o pretexto de pagar refresco ou uma gratificação pela amizade.

Maputo é, então, um paraíso para a ajuda internacional, onde proliferam mais de 600 ONGsde toda a espécie, havendo algumas que, de solidariedade têm pouco, antes se tratando de autênticas empresas capitalistas. O sistema político tem vindo a agilizar estas ajudas e a criar abertura para a entrada de bens e serviços essenciais para toda a população moçambicana.

O país está a crescer, mas há ainda muito a fazer.
As oportunidades proliferam.

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