quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Moeda ao Ar!

“Não há almoços grátis” é um grande chavão da economia e dos economistas. Na verdade, não há almoços grátis, mas há almoços mais lucrativos que outros. Claro que os economistas ilustres gostam mais é de comer que de servir almoços, então pensam apenas do lado do cliente e esquecem-se da vertente do fornecedor.

Claro que para os empresários da restauração, principalmente aqueles que vendem fiado, isto nem sempre é verdade. Quando acontece um calote, há que subir as margens para cobrir as despesas e riscos futuros. No fundo, neste e noutros negócios, quem paga, paga pelos que pagam e pelos que não pagam, ou o restaurante tem de fechar. Mas no fim de tudo, afinal sempre houve alguém que almoçou de graça.

O volume de calotes que acontecem em cada restaurante, depende não só da clientela, como também da época. Há anos em que há mais calotes que outros. Nesses anos, a indústria da restauração ganha menos dinheiro. Porque o número de calotes esperados era menor, há prejuízos.

Como nos dias que correm, tanto é opção pagar, como não pagar, aumentam as coberturas de risco, e aumentam os preços das coisas. As economias do mundo inteiro estão mais enfraquecidas. Como os empresários da restauração pediram fiado aos bancos, estes têm também de aumentar os preços (taxas de juro) e fechar a torneira do crédito. O mundo chegou onde chegou, porque todos estes agentes foram aconselhados por ilustres economistas, que gostam mesmo é de almoçar. Já estava na altura destes senhores ilustres abrirem outras torneiras, e dedicarem-se mas é a lavar pratos, porque trabalhar nunca fez mal a ninguém!

Li no outro dia um artigo muito interessante de um grande economista, que defendia que os comentadores de opinião dos jornais não são em nada diferentes dos treinadores de bancada. Opinam sobre a vida política e sobre decisões importantes, como qualquer mortal opina sobre uma não menos importante substituição mal feita por Jorge Jesus. Apenas o fazem de uma maneira mais formal, sem impropérios, num órgão de comunicação social mais ou menos relevante, com uma fotografia com um ar muito pensativo e respeitável, como se de um Einstein da economia ou política se tratasse, tentando fazer da opinião publicada, a opinião pública.

Eu também sou economista, mas como não tenho qualidade para exercer, tenho de lavar pratos! Mas já que estou aqui, vou aproveitar a oportunidade para fazer um comentário muito pouco iluminado à situação económica actual e à crise económica mundial:

Os Meticais são todos iguais, mas há uns mais iguais que outros. Os Meticais em Maputo são diferentes dos Meticais de Chidzolomondo. Em Maputo, um almoço tem um custo, e em Chidzolomondo tem outro. Nenhum é grátis! O alojamento da capital é bem mais caro que em Chidzolomondo. O acesso a bens e serviços é muito diferente numa e noutra localidades. A remuneração de uma hora de trabalho também difere em muito de Chidzolomondo para Maputo. No entanto, e tratando-se do mesmo país, tem de usar a mesma moeda, até por questões de soberania. Não faria sentido que cada província utilizasse a sua própria divisa dentro do mesmo país.

Se ampliarmos o espaço de análise, e pensarmos na SADC, poderemos pensar que estaremos a caminhar para uma união aduaneira com possibilidade de uma futura união monetária. Uma união monetária entre países, é como uma união monetária dentro do mesmo país. Se os Euros de Lisboa são diferentes dos Euros de Chaves, ambos os Euros são diferentes dos Euros da Alemanha. Horas de trabalho, almoços (pagos!), estadias têm todas valores diferentes consoante a produtividade de cada economia. O que se consegue fazer com os recursos em determinado espaço de tempo é a chave para a valorização de uma economia. Os Meticais que cada Metical consegue produzir no mesmo espaço de tempo é factor distintivo da valorização de cada Metical, os de Maputo e os de Chidzolomondo. Políticos e economistas, artificialmente, tentaram fazer várias nações utilizar a mesma moeda, em sítios com produtividades diferentes. Inventaram critérios de convergência, no sentido de normalizar as economias e todas se comportarem mais ou menos da mesma maneira. Eles esqueceram-se é que o Homo-Economicus é constituído por uma manada muito grande e impossível de controlar centralmente. Como os mercados são vivos, eles corrigem-se automaticamente ou por obrigação. Na Grécia como em Portugal houve correcções no poder de compra através de reduções dos salários. Isto não é muito diferente de uma desvalorização dos Euros Portugueses e Gregos, relativamente aos outros Euros. Nominalmente, trata-se da mesma moeda, só que vale menos, dá para comprar menos coisas. Se calhar era melhor trocar de moeda, e desvalorizá-la realmente. Assim limpar-se-iam todos os stocks de mercadorias exportáveis, o que daria um grande contributo para o equilíbrio das balanças de pagamentos e tornaria as economias realmente competitivas do ponto de vista de comércio internacional. É certo que só seria possível fazer isso uma vez, mas para grandes males, grandes remédios! Os estados continuam a emitir dívida na ordem dos milhares de milhões de Euros, como se fosse um empréstimo para comprar um carro novo. Os filhos ou mesmo os netos desta geração irão pagar estas dívidas. (Será?) Os países periféricos da zona Euro arriscam-se a passar de um regime de moeda única para um regime de única moeda, pois tudo está hipotecado.
A SADC e o mundo têm também de equacionar e aprender com os erros dos outros. A possibilidade de enveredar por um sistema de moeda única é arriscado e tem de ser bem planeado. Nem todos os países têm as mesmas condições para crescer. Nem todos os países têm os mesmos recursos, ou a mesma capacidade instalada para produzir. Nuns países os almoços são mais baratos que em outros, e não depende só do restaurante.

O dinheiro, que foi talvez a invenção humana que contribuiu mais para a aceleração do processo civilizacional como o conhecemos hoje, tem de ser tratado com cuidado. Hoje, trocam-se títulos de coisas cujo valor e risco ninguém conhece, empresta-se dinheiro sem saber bem a quem nem para quê, e isto chegou onde chegou! Qualquer dia, se quisermos almoçar, temos de fazer troca directa com os nossos fornecedores! Ou então ir semear ou criar o nosso almoço, porque este continuará a não ser de graça.

Bem, como eu também preciso de almoçar, se calhar o melhor é eu ir lavar uns pratos...
P.S. – Para os interessados, Chidzolomondo pertence ao distrito de Macanga, província de Tete.

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