quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Educar para Desenvolver

A educação e o nível de literacia são um dos factores primordiais para o desenvolvimento de uma nação. As pessoas vão à escola, para aprender a trabalhar, para terem empregos melhores e ganhar mais dinheiro. Se todos os cidadãos souberem mais, a economia produzirá mais e melhor. Se uma economia não dispuser de recursos naturais que possam trazer vantagens competitivas em termos internacionais, a sua verdadeira distinção terá de surgir do nível de habilitações dos seus cidadãos.
As classes políticas, muitas vezes, descuram este factor, menosprezando a educação, e não criando planos a longo prazo, sofrendo de alguma miopia, pois um processo educativo, desde o nascimento até à conclusão de uma licenciatura, altura em que se começa a trabalhar, demora mais de 20 anos, ao contrário de uma legislatura, que em Portugal dura apenas quatro anos. Num sistema de educação, deve incutir-se disciplina, capacidade de trabalho, empreendedorismo e capacidade de resolução de problemas. Um aluno que chega atrasado às aulas, toda uma vida, muito dificilmente vai ser o primeiro a chegar ao escritório quando começar a trabalhar. Decisões como o fim do chumbo por faltas são decisões que desorientam toda uma geração e que a preparam mal para o mundo do trabalho.
Moçambique foi assolado por uma guerra civil que destruiu todas as estruturas de educação e cultura, e deixou o país num estado de necessidade tal, que levou o processo educativo e formativo para um segundo plano. Com todas estas estruturas destruídas, Moçambique tem uma taxa de alfabetização inferior a 50%, sendo ainda menor no interior. Em Moçambique, a língua oficial é o Português, mas há mais de dez dialectos autóctones que são falados correntemente. Há localidades onde mais de metade da população não fala o Português. Nas zonas rurais há crianças que se deslocam mais de 20 kms por dia, a pé, para poderem ir à escola.
A escola com computadores, como a conhecemos em Portugal, com o Magalhães, aqui não existe.
Aliás, há escolas, onde o quadro é o chão de terra da cabana no meio do mato, e os cadernos de apontamentos são papéis usados, como versos de facturas. Os meios técnicos de educação são igualmente escassos.
Os défices nutricionais, pelos quais algumas crianças passam em tenras idades são também grandes travões ao nível da capacidade intelectual e de raciocínio. A proliferação de algumas doenças como a malária e o HIV, e a reduzida esperança média de vida são factores que devem ser considerados no que se refere à motivação e desenvolvimento do processo educativo. Em conversa com alguns recrutadores moçambicanos, descobri que o sistema de educação moçambicano é pouco evoluído e mesmo o nível universitário não prepara da melhor forma a mão-de-obra.
Mesmo alguns professores universitários têm dificuldade na articulação do Português, uma vez que não é a linguagem que utilizam no dia-a-dia. Aqui ao lado, na África do Sul, o Governo reconheceu os principais dialectos como línguas oficiais do país, preservando a cultura e identidade nacionais, embora o inglês seja uma língua muito mais global. Há uma carência de qualificados em Moçambique. Com a crise, há um novo fluxo migratório oriundo do mundo desenvolvido para certos pontos do mundo em desenvolvimento. Moçambique é, pois, uma terra de oportunidades para mão-de-obra qualificada que não tem empregos nos países desenvolvidos.
Para tentar travar essa migração e aumentar a taxa de emprego de Moçambique, o Estado criou uma lei de quotas. Cada empresa só pode ter um máximo de 10% de estrangeiros. Há casos de empresas que contratam 9 moçambicanos para funções fantasma pelo salário mínimo moçambicano (€50,00), para poderem contratar um estrangeiro qualificado. Há certas áreas de negócio, mais técnicas, onde não há moçambicanos qualificados e uma empresa não pode ser montada só com estrangeiros. Certas empresas, principalmente dos países nórdicos, mais disciplinadas, e menos dadas à corrupção, recusam-se a trabalhar nestas condições. Ainda assim, este país tem muito para fazer e muito por onde crescer.
É uma terra de oportunidades e é o lugar para um jovem qualificado dos 25 aos 35 anos estar, neste momento de crise mundial.

Excesso de Escassez

A ciência económica debruça-se sobre a afectação de recursos escassos passíveis de aplicações variadas. Economizar é então optimizar recursos. Gerir uma empresa, ou uma organização, ou mesmo um país, é isso mesmo.

Alguns gestores ou economistas, sentir-se-ão incomodados com esta afirmação, pois não percebem que, no fundo, têm o mesmo objectivo, optimizar recursos. A escassez fez com que, de tempos a tempos, surgissem novos paradigmas económicos, criados por novas realidades, como choques na oferta, na procura, choques tecnológicos, crises financeiras como a que estamos a viver hoje, ou outro qualquer fenómeno global que tenha efeitos na Economia como um todo.

Moçambique saiu de uma guerra civil há pouco mais de quinze anos. Neste período de paz, foi assolado por uma seca de cerca de dez anos, que foi terminada com inundações inigualáveis que levaram o país para o topo dos mais pobres do mundo. Ainda hoje o país se ressente de tudo isto.
Com uma taxa de crescimento de cerca de 7% ao ano, o PIB per capita anda ainda abaixo dos 650 USD. Certos bens, que são considerados como garantidos no mundo desenvolvido, são escassos e continuarão escassos por muitos mais anos.

Mesmo nas grandes empresas de distribuição, não há fornecimentos contínuos da grande maioria dos bens. Por vezes é necessário que chegue mais um contentor de determinado bem, para voltar a comprar um novo produto de determinada marca. Este processo pode demorar mais de um mês, ou pode mesmo acontecer que esse produto
não volte a estar disponível.

Há uma grande disparidade entre a comunidade internacional e a moçambicana. Eu, no programa INOV Contacto, aufiro mais num dia, que certas profissões correntes, como empregadas domésticas ou guardas de segurança, num mês de trabalho. Em dois dias faço mais que o salário médio do país. Como consequência dessa escassez e da extrema necessidade, tudo se vende na rua, desde balanças, relógios e óculos de sol, até cabides e ferramentas de automóveis. O artesanato tem um papel peculiar, pois sentado em qualquer esplanada, assistimos a uma pequena exposição itinerante de quadros ou outras obras que passam, sempre com a promessa de um bom preço. Há ainda a criação de certos nichos de mercado, como o dos espelhos retrovisores e piscasque são roubados de cada vez que o automóvel é deixado num recanto mais escuro. E existe a profissão de gravador de matrículas em quase todas as peças roubáveisde um automóvel, para impedir os larápios de exercer o seu ofício.

Apesar disto tudo, os Moçambicanos são um povo muito correcto nas contas. Noutras viagens que fiz pelo mundo, deparei-me com manhas de rua que não vi por aqui. Em Moçambique, o preço pode ser negociata de feira, mas não há enganos no troco, ou na entrega da mercadoria. Toda esta necessidade faz com que os moçambicanos tenham de começar a trabalhar muito cedo. É comum ver crianças a vender amendoins ou outro qualquer artigo, em vez de estar na escola a aprender para poder produzir melhor e fazer crescer o seu país. A gestão de tesouraria do moçambicano não existe. Chapa ganha é chapa gasta. Um amigo meu tem uma rede de supermercados que vende toneladas de arroz a cada primeiro dia do mês, para garantir alimento para os seguintes trinta dias. Uma saca de 25 kgs faz o consumo de uma família. As restantes despesas são feitas sem método e a poupança não é habitual, devido talvez à desvalorização do Metical. As despesas de transporte costumam ser pagas diariamente, sob pena de a meio do mês o funcionário deixar de vir, por ter gasto todo esse dinheiro. Como eu recebo em Euros, e gasto em Meticais, nos seis meses que estive em Moçambique, é como se tivesse sido aumentado em 15% no meu salário, tal foi a depreciação.

No mundo global em que vivemos, há então níveis de escassez desta ordem. A menos de 200 kms de Maputo está Nelspruit, na África do Sul, onde a escassez não existe, e onde a comunidade internacional de Maputo se abastece. Eu próprio tive de recorrer a esta alternativa, pois fui mordido por um cão e a vacina anti-rábica não existia em stock na cidade. Se houvesse, ter-me-ia custado o mesmo que me custou na África do Sul, incluindo, gasóleo e subornos a polícias sul-africanos. A única diferença entre um polícia sul-africano e um moçambicano é a linguagem, pois até no preço e na divisa são similares. Tanto recebem em Rands como em Meticais. No fundo, penso que não se pode chamar corrupção, mas sim necessidade. Nas operações stopa abordagem do polícia é toda direccionada para o pagamento de ajudas, sob o pretexto de pagar refresco ou uma gratificação pela amizade.

Maputo é, então, um paraíso para a ajuda internacional, onde proliferam mais de 600 ONGsde toda a espécie, havendo algumas que, de solidariedade têm pouco, antes se tratando de autênticas empresas capitalistas. O sistema político tem vindo a agilizar estas ajudas e a criar abertura para a entrada de bens e serviços essenciais para toda a população moçambicana.

O país está a crescer, mas há ainda muito a fazer.
As oportunidades proliferam.

A Conta, Por Favor

“Não há almoços grátis” é um grande chavão da economia e dos economistas. Na verdade, não há almoços grátis, mas há almoços mais lucrativos que outros. Claro que os economistas ilustres gostam mais é de comer que de servir almoços, então pensam apenas do lado do cliente e olvidam a vertente do fornecedor.
Claro que para os empresários da restauração, principalmente aqueles que vendem fiado, isto nem sempre é verdade. Quando acontece um calote, há que subir as margens para cobrir as despesas e riscos futuros. No fundo, neste e noutros negócios, quem paga, paga pelos que pagam e pelos que não pagam, ou o restaurante tem de fechar. Mas no fim de tudo, afinal sempre houve alguém que almoçou de graça.
O volume de calotes que acontecem em cada restaurante, depende não só da clientela, como também da época. Há anos em que há mais calotes que outros. Nesses anos, a indústria da restauração ganha menos dinheiro. Porque o número de calotes esperados era menor, há prejuízos.
Como nos dias que correm, tanto é opção pagar, como não pagar, aumentam as coberturas de risco, e aumentam os preços das coisas. As economias do mundo inteiro estão mais enfraquecidas. Como os empresários da restauração pediram fiado aos bancos, estes têm também de aumentar os preços (taxas de juro) e fechar a torneira do crédito. O mundo chegou onde chegou, porque todos estes agentes foram aconselhados por ilustres economistas, que gostam mesmo é de almoçar. Já estava na altura destes senhores ilustres abrirem outras torneiras, e dedicarem-se mas é a lavar pratos, porque trabalhar nunca fez mal a ninguém!

A Abelha-Mestra

As abelhas são um animal de extrema importância para os ecossistemas do planeta. Polinizam as espécies vegetais e são essenciais para a agricultura. Há mesmo apicultores móveis que se deslocam centenas de quilómetros até grandes plantações na época da flor para polinizar e aumentar a produtividade das colheitas. As abelhas vivem num sistema social complexo, com hierarquias bem definidas, e onde cada classe desempenha o seu papel. No entanto alturas há, em que a colmeia, por variadas razões, deixa de conseguir ter recursos para toda a colónia, e tem de enxamear. Ou por excesso de população, ou por falta de alimento, toda a população, incluindo a rainha, abandona a colmeia em busca de um poiso melhor, onde a sobrevivência da colónia possa ser melhor sustentada.
Nos negócios, os humanos também se comportam como a Natureza. Em cada ramo, abrem-se negócios, como nenúfares, que vão crescendo salutarmente no lago. Com o desenvolvimento científico dos negócios, criam-se aumentos de eficiência que tornam muitos outros colegas do mesmo ofício obsoletos. Vão-se assim eliminando membros da mesma espécie, caminhando para oligopólios/monopólios, onde muitas vezes as autoridades de concorrência não sabem como intervir. No limite, apenas será precisa uma marca de cada bem para garantir que a produção tenha qualidade para toda uma economia. Na distribuição passa-se o mesmo. Fábricas extremamente eficientes, que concorrem com competidores da mesma dimensão, têm de fazer concentrações a jusante e incorporar a distribuição no próprio negócio. Surgem assim os Category Killers. Grandes lojas, especializadas em artigos desportivos, electrodomésticos, ou até mesmo mercearia, vão crescendo como nenúfares maiores, tomando conta do lago, assimilando ganhos de especialização e optimização de recursos. Departamentos, como publicidade, marketing, contabilidade, trabalham para uma mesma rede, diluindo os custos entre as lojas, tornando as grandes empresas altamente competitivas nos mercados. Isto verifica-se com frequência no mundo ocidental e Moçambique para lá caminha.
Por essa e por outras razões, as taxas de desemprego dessas economias crescem, e as taxas de crescimento são estranguladas pela concorrência feroz. Para citar apenas uma história célebre de comportamento predatório em negócios, havia um café antigo e famoso nos Estados Unidos. A grande cadeia Starbucks (franshising de lojas de café) decidiu que aquele era um bom sítio para estar, e abriu uma loja na porta ao lado. Como não chegou para derrubar o imponente e antigo café, decidiram abrir outra loja na porta do outro lado. Depois de definharem o velhinho café e este ter de fechar, o gigante americano decide fechar uma das lojas que abrira, já que não precisava de ter duas lojas iguais a concorrerem tão perto uma da outra.
Contra competidores deste calibre, as economias do Ocidente tornam-se insuficientes para alguns grupos sociais. Os donos e trabalhadores destes cafés velhinhos têm então de enxamear. É o que se está a viver neste momento, com um novo fluxo migratório que vem para África. Plena de recursos, atrai os indivíduos mais dinâmicos que se tornaram “obsoletos” na sua própria colmeia, ou que estão descontentes com as suas próprias vidas. Todos os dias, chegam aviões que trazem pessoas qualificadas e investidores, à procura de novas oportunidades. Da Europa, das Américas e até da Ásia. Não se trata de uma invasão, nem sequer de uma ameaça. Trata-se mesmo de uma grande oportunidade. Moçambique, que neste momento vive um clima de crescimento sustentado e continuado, tem tudo a ganhar com estes novos obreiros, que tentam polinizar o quintal Moçambicano, na esperança de levar algum mel. Eles levam mel, mas o quintal fica mais frondoso e a fruta é mais abundante e mais doce.