quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Aquela Máquina!

Os humanos são uma das espécies mamíferas mais interessantes do planeta. Sendo a espécie animal com o cérebro mais desenvolvido, conseguiram, ao longo da História, inventar formas e instrumentos de adaptação ao meio, que lhe permitiram ser a espécie dominante da Terra. Para alguns, as maiores invenções humanas poderão ser a roda ou os instrumentos do domínio e controlo do fogo, que permitiram aumentar as probabilidades de sobrevivência, mas para outros Deus ou o dinheiro apresentam-se como verdadeiros aceleradores do processo civilizacional, e sem eles, não teríamos chegado onde chegámos. Pondo de parte as filosofias, há um grande número de invenções ou facilitadores de vida, que se apresentam como soluções para grandes problemas. Alguns desses problemas deixam de o ser, e deixamos de pensar nas soluções iniciais que usávamos antes de determinada engenhoca ser inventada. Senão vejamos:

Antes da invenção da máquina de calcular, toda a gente sabia mais ou menos fazer contas de cabeça, ou contas de merceeiro. Hoje, a máquina de calcular tornou a tabuada obsoleta. Já não é necessário saber. Não será isto bizarro? Imaginem o tempo não muito distante onde folhas de salários de empresas com muitos trabalhadores eram calculadas à mão, onde as horas de ponto eram somadas como se de uma conta de mercearia se tratasse. Inventaram as folhas de cálculo e resolveram o problema.
Os computadores revolucionaram a sociedade humana e todos os negócios de uma forma irreversível. A vida de qualquer escritório é hoje facilitada por instrumentos electrónicos que permitem fazer quase tudo de forma muito mais rápida, poupando recursos que antes eram indispensáveis e muito mais dispendiosos para o desenvolvimento operacional de qualquer actividade comercial.
O problema surge quando a tecnologia torna os humanos incapazes de trabalhar sem ela. Por exemplo, quando há faltas de energia, fenómeno comum na cidade de Maputo, há empresas que param a sua actividade comercial. Os computadores existem há poucas dezenas de anos, e os programas de contabilidade e facturação existem ainda há menos tempo. Será que antes não havia negócios? Não se faziam facturas? Faziam, mas alguns empresários, ou já se esqueceram como se fazia, ou começaram a actividade já depois da invenção dessas ferramentas. Para os empresários mais afoitos, a actividade não pára, mas para essa grande maioria, as facturas não existem nem com electricidade nem sem electricidade. O IVA é todo lucro.
Há países no mundo onde o número de cartões de celulares activos é cerca de uma vez e meia o número de cidadãos do mesmo país. O celular vem também ocupar um lugar indispensável na vida das pessoas. Não bastava ter um, mas algumas pessoas têm mesmo dois e mais números de telefone. Com o aparecimento da terceira operadora em Moçambique vamos assistir também a esse fenómeno. Para alguns, mesmo com rendimentos menos abastados, o telefone móvel é uma ferramenta sem a qual não conseguem viver, embora a humanidade tenha sobrevivido durante milhares de anos, sem qualquer tecnologia do género.
As máquinas condicionam e viciam o comportamento humano, deixando este de saber trabalhar sem elas. Os instrumentos de navegação por GPS são outro exemplo. As pessoas que já se habituaram a viajar com eles, já não sabem, nem querem saber, como se interpreta um mapa. Por vezes até a máquina dá ordens que não são as mais rápidas ou as mais práticas, mas o humano subjuga-se à ordem electrónica de virar à direita ou à esquerda, porque a máquina não tem aquele caminho naquela actualização do programa. Um cérebro humano é inibido de pensar por causa de muitos outros cérebros que inventaram e programaram a máquina.
Uma outra máquina, em 1997, venceu o campeão do mundo de Xadrez. Garry Kasparov foi derrotado por um computador. Essa vitória do computador, não passou também de uma vitória de milhares de cérebros humanos, ao longo de toda a História da Ciência, sobre apenas um único cérebro, do campeão mundial de Xadrez do fim do século XX. Pitágoras, Arquimedes, Euclides, Euler, Einstein, Taylor, Volt, Newton e muitos outros venceram o Senhor Kasparov, ainda que a muito custo e com algumas polémicas pelo meio. Bravo, Kasparov!
Outras máquinas há, que não têm qualquer razão de ser, e que são obsoletas à nascença e não representam qualquer avanço tecnológico à data da sua invenção. Na guerra-fria, os Americanos gabavam-se de ter inventado uma esferográfica que conseguia escrever na ausência de gravidade, instrumento que se iria revelar muito útil para a era espacial. A tinta era injectada para a superfície de escrita, em vez de ser comprimida pela gravidade e peso da própria tinta, que a fazia sair pela extremidade inferior do objecto. Os Russos acharam uma certa piada a esta invenção, que foi apresentada como um avanço da engenharia da altura, fruto de anos de trabalho da NASA, e de orçamentos avultados em investigação e desenvolvimento e responderam: “Sim, sim. Nós usamos o lápis!”.
Os humanos são o animal mais inteligente do planeta. A evolução natural confirma a teoria Darwiniana de que os mais aptos vencerão e sobrepor-se-ão às restantes espécies. Os avanços tecnológicos da humanidade determinam que consigamos fazer coisas de forma muito mais fácil, com menor dispêndio de recursos. Recursos esses, que podem ser usados noutras finalidades. No entanto, nunca podemos olvidar-nos dos pilares básicos da sabedoria humana. A tabuada é essencial! Saber ler um mapa é extremamente útil e até é interessante! O Google não tem tudo! Os computadores, e todas as máquinas são meras invenções humanas, e como tal, estão cheias de erros e lacunas. Há que estar preparado e nunca é tarde demais para aprender!
O que iria achar Pitágoras, se visse que nos demitimos de pensar? Será que iria ficar orgulhoso? Até parece que o estou a ver: “Se não fosse eu e alguns dos meus discípulos, esta gente tinha de pensar tanto e ser tão mais inteligente…” Quem lhe dera não ter tido tanto trabalho. Um grande bem-haja a todos os que usaram essa grande máquina que é o cérebro humano, para que outros, como nós, não a tivessem de usar tanto! Pensar cansa! Nem quero saber como se terá sentido o Kasparov. Certamente pior que o inventor do lápis espacial Russo…
Este Artigo foi Publicado na edição do Jornal "O País" de 16 de Outubro de 2010

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