sexta-feira, 13 de abril de 2018

Um género de identidade


Os nossos ilustres legisladores surpreendem-nos a cada dia que passa, no que toca a tratar dos grandes problemas da nação. Parece que está em discussão na Assembleia da República uma proposta de lei sobre o direito à autodeterminação da identidade de género para cidadãos a partir dos 16 anos de idade. Um jovem de 16 anos não pode beber uma cerveja, não pode fumar um cigarro, ainda não vota, mas pode-se autodeterminar relativamente ao género sexual que consta do registo civil, ainda que com supervisão parental. Isto pode parecer bizarro, até porque o legislador não explica muito bem o que está a ser discutido. À partida pareceria estranho um menor decidir sobre uma cirurgia violenta como será a da troca de género sexual, mas vamos ver que afinal não é necessária. A proposta de lei está na internet. Infelizmente, fui ler.

Reza na proposta a definição: “«Identidade de género», a vivência interna e individual de cada pessoa relativamente ao seu género, independentemente do sexo atribuído à nascença, que inclui a relação pessoal com o corpo e a expressão de género, designadamente através da forma de vestir, falar e de estar, envolvendo ou não a modificação da aparência ou das funções do corpo por meios cirúrgicos, farmacológicos ou de outra natureza, podendo ocorrer quer com pessoas transgénero, quer com pessoas intersexuais;

Aparentemente, a autodeterminação da identidade de género não requer características físicas específicas. Um Eleutério pode passar a ser Eleutéria, apenas porque se sente Eleutéria. Não há requisitos físicos, cirúrgicos, farmacológicos ou de outra natureza. A identidade de género, aos olhos do legislador, é então um estado de espírito, embora nesta proposta, implique alteração do nome próprio no Registo Civil.

Ainda na proposta: “Nenhuma pessoa pode ser obrigada a fazer prova de que foi submetida a procedimentos médicos, incluindo cirurgia de reatribuição do sexo, esterilização ou terapia hormonal, assim como a tratamentos psicológicos e ou psiquiátricos, como requisito que sirva de base à decisão do/a conservador/a.” Não é então obrigatório provar que não se foi alvo de tratamentos psiquiátricos ou psicológicos. Trata-se de uma autodeterminação pura.

A mudança da menção do sexo no registo civil e a consequente alteração de nome próprio realizadas nos termos da presente lei só poderão ser novamente objeto de requerimento mediante autorização judicial.” Esta disposição parece importante na cabeça do legislador, ao colocar a palavra “novamente”, para evitar reversibilidade do processo. Talvez para evitar que alguns cidadãos possam querer fazer a alteração apenas para experimentação. Uma barreira à saída. É mais ou menos como quem decide emigrar durante uns anos da sua vida, e depois decide voltar a casa. Na identidade de género isso é mais complicado porque requer autorização judicial. Até percebo o legislador, porque isso poderia baralhar as estatísticas…

Então, estas alterações constarão no registo civil para efeitos estatísticos. Por se tratar de um processo confidencial, para efeitos estatísticos, os números de homens e mulheres em Portugal serão os números registados por atribuição à nascença e posteriormente corrigidos por requerimentos desta natureza. O género sexual dos humanos portugueses não é então apenas do foro da biologia, mas também do foro da autodeterminação. Possivelmente Portugal vai entrar para o Livro dos Recordes Guiness com a primeira mulher a ter cancro na próstata e o primeiro homem a dar à luz.
Agora, da lei para algumas questões da realidade:
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  •      Neste momento não há serviço militar obrigatório, mas com os tumultos que o mundo vive, não estamos livres de tal coisa num futuro próximo. Poderemos ter então mulheres (biológicas) a ser recrutadas compulsivamente para o serviço militar?
  •      Temos ainda que alguns políticos, da esquerda à direita, querem criar leis de quotas de mulheres em determinados serviços. Desta forma, se um homem não conseguir encontrar emprego em determinada área, pode sempre trocar de género, porque assim, à partida estará dentro da quota.
  •     Inversamente, na questão da desigualdade salarial entre homens e mulheres, quantas mulheres irão trocar a identidade para aumentar o rendimento?
  •     Se ocorrer uma qualquer desgraça do tipo Titanic, o capitão tem a obrigação de encher os botes salva-vidas com mulheres e crianças, ainda que as mulheres possam ser barbudas.
  •     No desporto – As federações desportivas vão ter de aceitar esta lei? É uma lei de registo civil, o que à partida parece suplantar os regulamentos de uma actividade desportiva. Será que um atleta pode trocar de género e competir com mulheres? Vai ser uma revolução nos recordes nacionais.
  •    E a Igreja? Vai aceitar casamentos de pessoas de sexo diferente no registo, ou na biologia? A eterna luta entre Deus e a Ciência…


Alguns poderão dizer que é talvez aqui que se encontra a verdadeira motivação do legislador. Independentemente de opiniões, será por fruto de interesses, pressões, ou por uma mera estranha luta de poderes, que agora poderá ser possível casar na Igreja duas pessoas do mesmo sexo biológico? Basta que uma delas mude o nome? Do requerimento de mudança de identidade de género resulta a emissão de um “novo assento de nascimento, no qual não poderá ser feita qualquer menção à alteração do registo.” Se a Igreja não tiver como controlar a data de emissão deste documento, bastará que um dos noivos se mascare bem na boda para enganar o padre. Alterar preceitos milenares com base numa lei!? Isso seria demasiado engenhoso por parte do nosso legislador. Eu acho apenas que o legislador não sabe, nem se interessa por querer saber resolver os verdadeiros problemas de Portugal. Parece que o navio tem vários rombos no casco e a tripulação está ocupada a limpar o convés.

E já que a biologia é irrelevante e estamos apenas no campo jurídico, se temos direito à autodeterminação da identidade de género, porque não ter também direito à autodeterminação da identidade de espécie? Os animais perante a lei são já seres munidos de sensibilidade, com uma grande vantagem relativamente à espécie humana, pois ainda não pagam impostos. Na minha qualidade de humano, o meu direito à autodeterminação de identidade de espécie pode também ser consagrado. Eu posso querer ser bovino, caprino, asinino ou muar. Pode ter efeitos adversos no que toca à vacinação, mas isso seria totalmente ultrapassado pelos efeitos fiscais!

No reino animal, quero ainda ter o direito misto à autodeterminação de identidade de espécie! Posso querer ser um Spiderman, ou um Batman, um lobisomem ou até mesmo uma sereia! Só a parte humana é que paga impostos. É metade! Eu, pessoalmente escolheria o Batman, porque apesar de não ter super-poderes fantásticos, tem o melhor super-poder de todos – uma conta bancária quase ilimitada. E aí, os efeitos fiscais são irrelevantes…

Já ouvi Ricardo Araújo Pereira dizer que nos dias que correm é muito difícil produzir humor em Portugal, porque por vezes o absurdo da realidade ultrapassa toda e qualquer capacidade criativa, por mais mirabolante que seja. Não sei se estamos perante uma situação dessas, mas como diria um amigo meu: em Portugal, não há anedotas sobre políticos; há estórias.

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